quarta-feira, 12 de outubro de 2011

"Envelhecer", crônica de Pedro Salgueiro para O POVO (12.10)



Deus (ou a natureza, ou seja lá no/em que ou quem acreditemos) nos dá a sabedoria de irmos vivendo sem pensar muito no nosso inevitável envelhecimento. Na verdade não nos preparamos para essa complicada fase da vida (hoje tão eufemisticamente nomeada). Vamos indo rio abaixo (ou acima, quem sabe?) meio que ao sabor da corrente e do vento. Às vezes de canoa, outras no duro nado de peito. Mas verdade que dia menos noite nos deparamos com a “idade” chegando: uma dorzinha nas costas, um porre que demora mais do que de costume a passar, aquela torção de tornozelo que se curava por si dois dias depois do joguinho de futebol e que agora nos maltrata por meses.

Os males físicos são os mais fáceis de detectar, pois inevitavelmente nos procurarão em nossa própria casa; os mentais, não, são mais discretos e nos cercam de longe, infiltra-se em nossos cotidianos sem deixar pegadas. Vão sorrateiramente invadindo e tomando conta da nossa alma.

Um amigo me segreda que morre de medo de envelhecer como seu pai, que foi ficando com o passar do tempo extremamente “gabola”, mudando sua personalidade a tal ponto que causava incômodo nos familiares e amigos: vivia a se “pabular”, que era o melhor escritor de sua geração, que só ele sabia fazer crítica literária, que criar filhos era com ele mesmo etc. e tal. Havia se tornado, aos poucos, um senil “Super Homem” do auto-elogio gratuito, envergonhando os mais próximos, afastando-os de sua convivência.

Já um colega de trabalho, corre célere rumo ao túmulo com uma raiva imensa dos mais jovens, tempo nenhum presta que não o dele, lá para trás. Os jovens, esses são uns irresponsáveis, superficiais e complicados. Nenhum presta, se um novato e mais apessoado funcionário vem trabalhar em seu mesmo setor logo se tornará seu inimigo mortal. Que não sabe redigir uma petição, que pensa que é só ter um sorriso nos lábios, no meu tempo...

Mas há quem procure envelhecer com inteligência e bom humor, com a altivez casada com a humildade. Sem essa quase inevitável inveja que sente dos que vêm depois de sua geração com toda força e viço.

Uma ciência complicada, essa do envelhecer com dignidade. E que tribo escassa essa dos que sabem das minguadas vantagens e a elas dê um peso justo, dos que também consigam mensurar as inúmeras desvantagens e, com arte, minimizá-las com resignação e alegria (ou até mesmo ironia)...  dos que veem os mais jovens menos como um inimigo e mais como os aliados que ficarão, sim, com os “louros”, mas principalmente com a inglória tarefa de levar nas costas este nosso pesado, velho e complicado mundo.

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Um comentário:

Gadelha disse...

Pedro, também já entrei nessa onda de refletir sobre o envelhecer. O envelhecimento para mim representa algo muito libertador. Quando fiz 30 anos (23/04) Mandei esse recadinho para alguns dos meus amigos, recadinho este que traduz como encaro o prazer deste momento...
Meus 30 anos... Há muito tempo atrás, nos primórdios da minha vida costuma imaginar como estaria aos 30 anos de idade. Esse dia está quase chegando e me sinto feliz (ao contrário de muitas mulheres), pois para mim a passagem do tempo tem sido algo muito libertador. Já percebo em meu corpo os efeitos dessa passagem, tanto esteticamente como energeticamente (não tenho o mesmo pique de antes). Mas o melhor de tudo são as mudanças na cabeça, imagino o quanto deve ser bom ter a maturidade não de todos, mas tendo uma visão positiva em relação aos seres humanos, da maioria das pessoas com 60 ou 70 anos. Hoje para mim a beleza está muito mais subjetiva e por isso até me permito muito mais que no passado sair de casa sem maquiagem ou com uma mega confortável chinela havaiana. A beleza para uma mulher mais jovem chega a ser um fardo inacreditável! Unhas grandes pintadas, cabelo sempre bem penteados, maquiagens, sapatos altos etc... Não estou dizendo com isso que a vaidade não faça parte de uma vida madura, apenas acho que com o passar do tempo, determinadas pressões sociais passam a ser praticamente inexistente. Por esses dias por advento da morte de Millôr Fernandes, circulou na internet muitas frases citadas por ele, uma delas é a seguinte: “A vida começa quando compreendemos que ela não dura muito“. Não diria que necessariamente a vida comece neste momento, até porque para chegar a essa conclusão se faz necessário toda uma sucessão de experiências, inclusive ruins para que percebamos a magnitude desse momento. Se eu viver 60 anos, estou agora na metade da minha vida, que por sinal é toda diferente do que imaginava em minha infância. A vida foi tomando um rumo bem diferente do que idealizava, mas sou o que sou hoje por essas surpresas da vida. Que venha a leveza dos 30, dos 40, dos 50....

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