quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Quando eu crescer


 (Ruy, Virna Teixeira e Eduardo Jorge)



O Ruy é daqueles sujeitos que ninguém pode dizer que o conhece direito. Arredio à fama fácil e nociva da província, se esconde em seu castelo da Aldeota Velha, em sua redoma à prova de mediocridades.


Liga suas antenas no que tem melhor e menos chato por aí: roteirista de primeira (não daqueles que sobem apenas pra cair de divisão no campeonato seguinte), poeta de mão cheia, tradutor dos melhores, além de prosador finíssimo, como atestam estas três pérolas (abaixo) que copiei de seu blog, que é o melhor (disparado) de nosso cearazinho de mãe teta e pai angu.

Esse carinha com jeito de inglês do interior é sem sombra de dúvidas (na minha modesta opinião) o mais talentoso escritor de minha geração.

E costumo brincar com os amigos céticos (que afirmam, entre risos, que ele não existe, que é apenas uma de minha míseras criações) que o Ruy Vasconcelos é o escritor que eu queria ser quando eu crescesse.


Me fez que seus efeitos escrevesse

No íntimo, uma coisa se quer: que o teu texto possa oferecer companhia a quem dela precisa. Adocicar o amargo de certa quarta-feira. Buscar. Possa remendar uma injustiça, ao menos em espírito. Provocar um sorriso – mesmo de sarcasmo tá valendo. E pensar que alguém, numa cidade estrangeira, sozinho e de olhar quebrado, pode matar saudades de casa ao lê-lo. Contiguidades assim proponha. De algum modo, alguma forma. E de um modo que não passe exclusivamente pela publicidade. E de uma forma que não seja escrava de uma teoria pré-. Ou que proponha apenas o jogo narcísico do poder. Ou ainda se sectarize, imbecilizando-se de vez. Se não se pode tocar um piano de cauda, como os clássicos, que se possa tirar algum som da gaitinha de boca. Livres. Grátis. Compartidos. Ainda mais abertos a todos que em Creative Commons. Ao alcance de quem, que o teu e o meu possam ser textos em que tudo periga.


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Lapsus Linguae

Dois Peitinhos na Lagoa

Deve haver uma forma de gostar que não passa por ela. Por eles. Os predicados dela. Ou, ainda melhor, que passa ao largo dela. E deles. E nessa toada, no rumo dessa digressão, é possível, então, largar-se pelo mundo com a sensação de que algo se está inaugurando tão-só pela presença da gente. Digamos, um ferryboat, um açude, uma lanchonete, um píer, um passeio público: misto de parque e praça cheio de árvores, de sombra. Toda uma estatuária clássica ao longo e, num pequeno belveder, duas enigmáticas esfinges entrefitando-se. Uma praça-parque. O conceito é esse. E nela, há perto do bambuzal um banco. Desses bancos ingleses, de madeira fornida. E, com as pernas trançadas, sentada no banco, uma jovem mulher. Ao lado dela, uma bolsa entreaberta. Ao lado da bolsa, um livro interrompido. Ela enverga jeans, tênis, uma blusa laranja, traz o cabelo preso e, pelo safo modo como degusta o sorvete, quase a prescindir da colherinha, é igualmente destra em certa carícia. Ela tem olhos castanhos-claros. As escleróticas tão limpas que parecem dois rebatedores de fundo para fotos neutras sob spots com led, de altíssima refração. Dois patinhos passam na lagoa. As linhas convexas no atlas de anatomia do olhar. Ela tem um magnífico sorriso. E não é difícil chegar à conclusão: ela e a que se devia evitar, Princesa, são uma só e a mesma até o sol raiar e segunda ordem e se calhar e se o caso for e se manhã cantar no colo do galo.  Arre, há sempre um sonho traiçoeiro a nos lembrar do que aparentemente já se dava por esquecido.¹

E, logo, é necessário voltar ao começo – como o poeta volta no verso para poder ir mais longe – se o desejo é esquecer. E partir para outra. Mas, da próxima, melhor evitar bancos de praça; árvores; estatuária, esfinges; sombra; livro; sorvete. 

Sopas, assim, para o azar.


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¹Esquecido, aqui, não deve ser lido apenas como particípio passado do verbo esquecer, mas também como um pequeno bolinho – uma madeleine, um muffin – bastante apreciado no interior do Ceará.


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Casamento, essa interminável pingação de i's

Em nome do vem, vai

– Você não acha? – ela disse.
–Se disser que acho, você vai dizer que só estou dizendo p'ra lhe agradar.
–Mas, menino.
–Se disser que não, você vai dizer que sou chato, que sempre digo não.
–O sem-pé-nem-cabeça disso me comove.
–Ah, e tem mais: se eu disser mais ou menos, aí você vai me pedir para descer do muro ao menos dessa vez.
De repente, ouvia-se o circulador de ar. O mundo fora posto no modo pausa.
E a circulação das ideias, por analogia, ameaçou trazer o casamento deles para uma zona de lucidez tão terrível que seria dispensável conversar.
E eis que isso não existe: todos precisam conversar. De algum modo.
Em nome da abobrinha; do fiado; do mole; da gente grande; do boi dormir; da teoria da recepção; do bêbado; do vem, vai; dos bastidores; do Tutú Marambá.

Em nome dos is que, mais adiante, precisarão ser pingados e repingados. De novo e para sempre.


* Copiados do blog Afetivagem

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