quarta-feira, 22 de agosto de 2012

BROKEBAACK MOUNTAIN (por Trompson Loiola para a UOL-Cinema)

No conto "Brokeback Mountain", de Annie Proulx, os caubóis são feios e toscos
THOMPSON LOIOLA
Colaboração para o UOL
ANNIE PROULX
 
Heath Ledger e Jake Gyllenhaal em Brokeback Mountain, baseado no conto de Anne Proulx


A escritora Annie Proulx não fala mais sobre "Brokeback Mountain", seu conto publicado pela primeira vez em outubro de 1997 na conceituada revista norte-americana "The New Yorker". Proulx (pronuncia-se "prul"), senhora de 70 anos, vive em uma região rural do Wyoming, estado no centro-noroeste dos Estados Unidos, que faz divisa com Utah e Colorado, ao sul, e Montana, ao norte. Segundo ela, o assédio em torno da história estava comprometendo sua rotina de escritora.

Proulx começou tardiamente a escrever ficção, aos 56 anos. Tardio, porém, não foi o reconhecimento: diversas de suas obras ganharam grandes prêmios literários internacionais, e já o segundo livro, "The Shipping News" (publicado aqui sob o título "Chegadas e Partidas" pela editora Bertrand Brasil) levou o famoso prêmio Pulitzer na categoria ficção. "Brokeback Mountain" estará na antologia "À Queima-roupa - Contos do Wyoming", que deve sair pela Bertrand Brasil no primeiro semestre de 2006.

Críticos de seu trabalho acusam-na de expôr seus infelizes personagens a traumas intensos e a uma realidade negra demais. No caso de "Brokeback Mountain", contudo, foi a realidade, em um lance de humor negro, que se encarregou de tornar a literatura ficcional de Annie Proulx um consistente presságio.

Meses depois da publicação do conto, um crime de ódio aconteceu perto de onde a escritora mora, na região de Laramie. Matthew Shepard, então com 21 anos, saiu de um bar gay com dois rapazes. Ele foi levado a um lugar ermo, amarrado a uma cerca, espancado, roubado e deixado à morte --que o alcançou após horas de agonia sob o frio da noite. Tal era a situação do corpo, que o homem que resgatou Shepard ainda com vida ficou na dúvida se o que via da estrada era uma pessoa ou um espantalho (o episódio inspirou composições de diversos músicos pop, como Elton John e Melissa Etheridge).


Outro lance de espetacular coincidência ou mórbida ironia levou Annie a ser convocada para o júri do julgamento dos agressores. Obviamente, ela foi descartada pela defesa, o que não impediu que cada um dos acusados recebesse duas penas perpétuas consecutivas.

Enfim, é nesse mesmo Wyoming, em um verão de 1963, antes dos hippies, do "amor livre", do LSD, do ecstasy e da Aids, que se encontram os caubóis Jack Twist (interpretado no filme de Ang Lee por Jake Gyllenhaal) e Ennis del Mar (Heath Ledger). Eles sobem a montanha Brokeback para cuidar de um rebanho de ovelhas e juntar algum dinheiro --Ennis pretendia se casar com sua namorada brevemente. E o amor surge, sem dizer seu próprio nome nem encontrar nenhum outro que lhe convenha, e se instala entre eles pelos 20 anos seguintes.

Jack Twist e Ennis del Mar, como imaginados por Annie Proulx, demorariam algo mais do que Gyllenhaal e Ledger para despertar a luxúria da audiência. Além disso os personagens do conto são diversos dos que aparecem no filme. Jack é baixo, dentuço, de cabelos enrolados e tinha "pneus" na cintura que aumentaram com o passar dos anos. Ennis, por sua vez, é alto e magrelo, de rosto fino, nariz torto e as pernas arqueadas típicas de caubói.

Não obstante a aparência física e "os modos toscos e a fala tosca", esses moleques de 19 anos criados para serem rudes mantiveram a autora cativa por um bom tempo, fato que ela só admitiu, inclusive para si mesma, após ver o filme pronto. Considerou-o irretocável. "Tive medo de que o cenário se perdesse, de que o sentimentalismo se infiltrasse, de que o conteúdo sexual explícito se diluísse. Nada disso aconteceu", garantiu ela em seu site pessoal www.annieproulx.com.

Com poderosas elipses, diálogos estrategicamente inconclusos, frases certeiras como um bote de cobra ("o que você não pode consertar, você tem que encarar") e imagens esculpidas em palavras ("a sombra de seus corpos, uma única coluna contra a rocha"), Annie Proulx mostra em menos de 60 páginas o poder de corrosão do medo e do mundo sobre o amor, sentimento em geral tido como indestrutível e milagroso por romancistas mais "felizes".

Sem medo de despedaçar as expectativas do leitor, sua trama desperta ao mesmo tempo a ansiedade de saber até onde vai tanta intensidade e o medo de virar a próxima página e descobrir a resposta. Não satisfeita, a autora ainda acrescentou, à versão de "Brokeback Mountain" publicada na coletânea "Close Range" (ainda sem versão em português), um prólogo que não estava lá e que denota algo de sádico quando relido após a conclusão da história.

Fale de sua aldeia e falará do mundo, dizia Tolstói. Annie Proulx quis falar do amor em uma aldeia e falou do amor no mundo. Ah, sim: e eles eram dois caubóis.

SERVIÇO
"Brokeback Mountain" estará na antologia "À Queima-roupa - Contos do Wyoming", que deve sair pela ed. Bertrand Brasil no primeiro semestre de 2006. Ainda não há estimativa de preço.
Em livrarias de importados, pode ser encontrado tanto na coletânea "Close Range" quanto em volumes individuais.

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