sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Shakespeare: Ricardo III e a Ciência (por Theófilo Silva)

Shakespeare e Ricardo III

Está nas manchetes de todos os veículos de comunicação do mundo, televisões, jornais, revistas, sites, blogs, facebook:  o esqueleto do rei da Inglaterra, Ricardo III, morto numa batalha em 1487, foi finalmente encontrado no estacionamento de um Shopping da cidade de Leicester. As matérias mostram estudiosos falando da importância da descoberta, e segue-se uma controvérsia sobre a peça homônima de Shakespeare, em que o bardo descreveu Ricardo III como um rei perverso e assassino.

O que vem a ser essa história, e onde está à verdade no meio de tudo isso? O debate promete ser longo: a ciência contra Shakespeare.

Ricardo III é uma das primeiras peças de Shakespeare, escrita em 1592 – ele começou a escrever para valer em 1589, aos 25 anos de idade – e faz parte do seu círculo de Peças Históricas.  Ricardo III não é considerada pela crítica uma peça perfeita, pois é possível ver claramente um Shakespeare aprendendo a delinear seus personagens. O drama não tem a maturidade de Sonho de Uma Noite de Verão, Othelo ou qualquer outra de suas obras-primas.


Mas como Shakespeare é Shakespeare, e quaisquer sentenças que ele escreveu são canônicas, a peça é  maravilhosa,  um triunfo, e sempre desfrutou de enorme sucesso e continua sendo apresentada e aplaudida em todo mundo. Agora mesmo, aqui no Brasil, está sendo encenada há mais de três anos por um grupo de Natal, em forma de comédia, com o nome de “Sua Incelença Ricardo III”.

Segundo Shakespeare, o duque de Gloucester, o quarto na linha de sucessão ao trono da Inglaterra, infernizou a vida de seu irmão, o rei Eduardo IV, até matá-lo de desgosto; em seguida mandou matar o outro irmão, duque de Clarence, e por último seus dois jovens sobrinhos, até se tornar Ricardo III, o novo rei da Inglaterra.



Ricardo III só ficou dois anos no poder. E seu governo se deu durante a Guerra das Rosas, em que sua família, York, brigava com a família Lancaster pelo trono. Na batalha de Bosworth – Shakespeare o celebrizou com a frase: “Meu reino por um cavalo”! – contra seu primo Henrique Tudor, ele foi derrotado e morto,  e Henrique assumiu como rei da Inglaterra, com o título de Henrique VII. A história é por aí.

O azar de Ricardo, e digamos que ele não fosse um rei tão cruel, é que quem pegou na pena para retratá-lo mais de cem anos após a sua morte, foi aquele que seria o maior dramaturgo de todos os tempos, com uma capacidade de transformar o real numa ficção mais forte e apaixonante do que os próprios fatos. E Shakespeare transformou Ricardo III em um dos vilões mais interessantes da história do Teatro.

Shakespeare criou uma personagem tão forte, tão marcante: corcunda, malvado, perverso, cínico, irônico e engraçado que acabou usurpando a própria história. Ricardo III é a única peça de Shakespeare que começa com um monólogo – conhecido, decorado e declamado por todos os estudantes de língua inglesa no período escolar – em que Ricardo disserta sobre sua personalidade. Dizendo: “Mas eu que não fui talhado para habilidades esportivas, nem para cortejar um espelho amoroso: que grosseiramente feito e sem a majestade do amor para pavonear-me diante de uma ninfa de lascivos requebros; eu, privado dessa bela proporção, desprovido de todo o encanto pela pérfida natureza; disforme inacabado, enviado por ela antes do tempo para esse mundo dos vivos; terminado pela metade; tão feio e fora de moda que os cães ladram para mim quando passo perto deles”. E conclui,  que: “quando nasceu, já veio com dentes, nasceu para morder o mundo”.



Pois é o caráter de Ricardo III, que os cientistas, à luz de seus ossos, se propõem a estudar, esmiuçar, por moderníssimos exames computadorizados, para saber o que ele comia, como se deitava, se era doente, se fazia exercícios… E daí vão tentar – chutar, especular – adivinhar seus humores, sua personalidade, caráter, religiosidade etc. E tentar provar que Ricardo III não era um perverso como Shakespeare o pintou. A ciência está dizendo que vai descrever o caráter  de um homem com base em alguns ossos de mais de 500 anos. Uma máscara mortuária foi feita, e já foi dito (risos) que um homem de lábios finos como Ricardo não poderia ser um assassino.  Cesare Lombroso adoraria a afirmação!

Sobre a quase máscara mortuária de Ricardo é o próprio Shakespeare quem responde aos cientistas, quando diz, em Macbeth: “Não existe arte que possa decifrar o sentido da alma pela face”. Se preparem, teremos uma longa batalha pela frente. Pois se contrapor a Shakespeare não é tarefa fácil. Mas os cientistas sabem que isso dá prestígio. Uma coisa eu posso dar certeza, aconteça o que acontecer, a peça Ricardo III continuará um triunfo teatral, seja qual for a verdade, se é que existe uma!

* Copiado do blog http://theofilosilva.com/home/

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