quinta-feira, 7 de março de 2013

RECORDANDO FRANCISCO CARVALHO EM SEUS 72 ANOS (por Mailma de Sousa)

 
 


 

  Fortaleza, Ceará - Quinta-feira 17 de junho de 1999


Ao pastor dos dias maduros
Uma homenagem aos 72 anos do poeta Fancisco Carvalho


     Agora, quando, além de já ter lido toda a sua obra poética mais seus dois livros de exercícios literários, Francisco Carvalho, escrevi demoradamente, por não saber fazê-lo de modo sintético, como exigem os tempos... escrevi demoradamente minha análise literária, pronta sobre sua vasta poesia, compreendido o ensaio nas três partes com as quais desejei mesmo concebê-lo, longo percurso que às vezes se tornou difícil realizar, em função de algumas adversidades, porém aprontou. Afinal, posso lhe dizer que aprontou. E, aos seus 72 anos (11 de junho de 1999), tenho meu coração mais acelerado pela emoção de relembrar que num domingo, 19 de maio de 1996, afligi-me muito pelo fato de, tendo lido, naquele dia, seu primeiro livro que me deram a conhecer, “Rosa dos Minutos” (1996), adiamento atribuído não sei a que, pois lhe digo, poeta, que me inquietei demais naquela data, que já completou três anos, porque não alcancei o que li, tendo assim, confesso, guardado imediatamente este e mais os seus “As Visões do Corpo (1984), “Barca dos Sentidos” (1989), “Exercícios de Literatura (1990), “Crônicas das Raízes” (1992), “O Tecedor e Sua Trama” (1992), “Sonata dos Punhais (1994), “Galope de Pégaso (1994), “Textos & Contextos (1995) e mais uma fotocópia de “O Tempo e os Amantes” (1966), todos um presente valioso que tive o privilégio único de receber. Todos guardados ainda por mais de seis meses após aquele maio, livros indistintos entre outros. E como eu não identificava Francisco Carvalho entre Camões, Pessoa, Drummond, Bandeira, João Cabral, Mário Quintana, Vinícius e mais tantos poetas do Ser, dispostos na estante? Pois lá estavam todos e você ainda indiferenciado, meu poeta! Hoje penso que parece que somente para mim.

     Mas, enfim, por um desses acasos, nem tanto, talvez mais um dos cotidianos resquícios do “Big Bang”, afinal, retomei a leitura de sua obra completa, Carvalho. E após esses, mesmo poucos, anos de leitura constante, posso então compreender, poeta, o que não compreendia naquele domingo de maio, em 1996. Que sua poesia é como se fosse um denso e único poema da existência humana, que penetramos mais à proporção que mais percorremos toda a sua vasta obra, já composta de 25 livros de poesia, destacados também os outros dois de seus ensaios literários, o que soma 27. Tendo hoje a dimensão do imenso, único poema que é sua obra poética, meu maior desejo, em seu aniversário de 72 anos, seria lhe preparar uma ode, uma ode conforme Sânzio de Azevedo, no livro “Para Uma Teoria do Verso”, define, tomadas as palavras de Olavo Bilac: um poema lírico, em que se exprimem, de modo ardente e vivo, os grandes sentimentos da alma humana (p. 181). Eu queria, poeta, preparar-lhe uma ode como você brilhantemente prepara a “Ode Itabirana” ao poeta de sua raça sim, de seu porte sim, e igualmente de quem você tem fôlego de gato para acompanhar, de acordo com o que você diz, modesto, não ter, em “Barca dos Sentidos”, p. 179. Eu sim, não tenho jeito pra fazer poesia, pois se tivesse, faria a você mais ainda do que você faz a Drummond na “Ode Itabirana”. Comporia um livro inteiro, como você prepara, em “Romance da Nuvem Pássaro (1998), a homenagem à memória de Octávio Paz, segundo você registra, “glória do México e das Américas, pela dignidade, universalidade e altitude de seu gênio poético e pelo sopro renovador de sua linguagem poderosa, colocada a serviço do patrimônio estético da humanidade e das mais legítimas aspirações do homem, do seu mistério e do seu destino trágico, do seu engenho e de sua inarredável vocação para o sonho e para a morte”.




     Estas palavras estão escritas na dedicatória ao primeiro momento do “Romance da Nuvem Pássaro”, intitulado “Ode Ao Pastor das Estações”, no que me inspiro. E, parafraseando-o, poeta, eu lhe diria o que você diz a Octávio Paz, e por isso, no seu aniversário, escrevo esta humílima mensagem que intitulo “Ao Pastor dos Dias Maduros em Seus 72 Anos”, pensando ainda no livro “Pastoral dos Dias Maduros (1977), de onde extraímos a estrofe final do poema homônimo: Que fiz de minha vida,/ dos sonhos que sonhei?/ Que fiz dos meus desejos/ num potro a galopar?/ - O vento os carregou/ para os confins do mar (PDM, p. 70). Em “Pastoral dos Dias Maduros” ou em qualquer de suas obras, é sempre essa procura do homem por si mesmo, uma busca ontológica, a procura de compreensão da própria existência, é portanto, a expectativa perene dos dias maduros.

     Pudesse, meu poeta, eu faria a você, como faz nAs Visões do Corpo (1984), “Um Improviso Em Louvor do Poeta Mário Quintana”, no qual declara: Vou convocar os rapsodos/ de Portugal e de Espanha/ vou brindar neste improviso/ ao poeta Mário Quintana (...) Vou-me embora pra Pasárgada/ pertinho de Uruguaiana/ lá sou amigo do rei/ do poeta Mário Quintana (VC, p. 115).




     Então convoco, como você empreende no improviso a Quintana, seus compatriotas convoco, aqueles que, erigindo a mesma eternidade que você erige, somam-se a sua busca de entendimento da existência do homem. E, neste seu aniversário, meu coração é total regozijo. Relembro que você se sentia amigo do rei e do poeta Mário Quintana e parece até que também me sinto assim, amiga do rei e do poeta Francisco Carvalho, pois um dia eu não conhecia de sua poesia o tema primordial da morte que, no entanto, engendra o tema da vida em toda a celebração, através das coisas e dos seres, inseridos no ambiente de existir, o mundo, tais quais os animais, a água, a terra, o fogo, o ar, o vento, o azul do céu, as pedras que ultrapassam o tempo de existirmos, como também a casa constitui o espaço de celebrar a existência e ainda os vegetais cumprem o desiderato de, juntos, todos elementos de uma Natureza indissociável, associados ainda ao sentimento maior do amor, obscurecem, pelo menos temporariamente, invisibilizarem a irrecuável morte.

     Que mais pode ser deste meu coração hoje além de regozijo, se um dia, Carvalho, apesar de toda a sua poesia ser um só poema, eu não distinguia entre Meus Poetas o substrato da quaderna de sua obra, representado especialmente pelos quatro pilares: “Dimensão das Coisas (1967), “Pastoral dos Dias Maduros” (1977), “Barca dos Sentidos” (1989) e “Rosa dos Minutos” (1996), quando a partir daí se delineiam temáticas, todas originárias do tema primordial da morte, como a busca de Deus, o culto aos mitos pagãos e bíblicos, as marcas do povo, a ironia, os símbolos eróticos, a evolução das imagens por você usadas, etc. Além desses momentos dos livros referidos, como eu não identificava na estante o valor de “Barca dos Sentidos?! Confluência de suas temáticas e metros, como também é a fluência para os livros que se seguem a este de 1989.




     Minha aflição daquele domingo de maio de 1996, Poeta, deve-se talvez ao fato de eu não saber identificar ainda, entre seus livros, a prosa poética de “O Tempo e Os Amantes”, publicação de 1966. Ou talvez a inquietação tenha vindo por eu não conhecer “As Verdes Léguas” (1979), sua única obra reeditada, 1997. Eu não sabia ainda do seu livro só de sonetos, “Rosa Geométrica (1990), nem da sua experiência em poesia popular, através do cordel “Flauta de Barro”, editado em 1993. Eu não conhecia também outro que valoriza os haicais, feitos de seu jeito, com o título “Os Exílios do Homem (1997), como igualmente não identificava seu livro mais figurativo, cujas páginas se dispõem na forma de uma asa de pássaro, que é “Romance da Nuvem Pássaro (1998), o mais recente. Mas este e outros ainda não existiam mesmo em 1996, pois você, Carvalho, continua a nos surpreender no ineditismo e na vastidão de sua produção poética, incessante ainda agora, passados 44 anos desde sua publicação de estréia, “Cristal da Memória” de 1955. Este sobre o que, juntamente com o segundo livro: “Canção Atrás da Esfinge” (1956), você torna público que preferiria não serem levados em conta no cômputo geral de sua poesia, tidos por você, como simples experiências de um período de transição do seu aprendizado literário. Permita-me, Poeta, dizer-lhe, na minha humildade, é sua modéstia. Ms eu ainda não conhecia, Carvalho, as marcas da inestimável presença dos nossos poetas imortais em sua poesia, como não conhecia a imensidão do que os críticos revelam, com justeza, sobre sua obra.


     Quanto não conheço de sua poesia, mas quanto mais eu gostaria de dizer, escrever a respeito dela! Senti-la sem dizer é bem mais fácil. Além de que, eu e ela convivemos há tão pouco tempo, se considerado que jamais se afastará de mim, porque penetrar sua poesia é sentir a certeza de que aí convivem, harmoniosamente, Fernando Pessoa, “ele mesmo”, como também todos seus vários heterônimos, dentre os quais estão do poeta Caeiro o sentir a natureza, em sua vida simples de “O guardador de rebanhos”; de Reis, o paganismo, advindo dos valores da Antiguidade Clássica e sua proposta de viver o momento, já que a morte é inevitável, porém pensando a decadência do mundo; e de Campos, o habitante urbano, há o poeta moderno que, pessimista, apesar de ressaltar o progresso, salienta as angústias de seu tempo, originário da finitude humana.

     Esses poetas de Fernando Pessoa, como outros poetas, convivem na sua poesia porque são faces de todos nós que você mostra na sua arte de revelar a existência do Ser. Por isso convoco, como você fez para Mário Quintana, convoco seus compatriotas, junto dos quais você já se tornou eterno, convoco Camões, Pessoa, Drummond, Bandeira, João Cabral, Vinícius, Mário Quintana, Neruda, Jorge Luís Borges, Octavio Paz e convoco todos os outros de sua estirpe, todos os que você homenageia, para, no meu humilde louvor a sua poesia, eu declarar que leio, releio incansavalmente sua imensa poesia, semelhante a cada vez que volto ao corpo do homem amado, do qual jamais decifro os enigmas, porém me sinto numa intimidade indissolúvel, um elo, porque guardo o privilégio imensurável de sentir, endereço irrefutável do meu prazer, intimidade, talvez mesma que me conduziu, Meu Poeta, a chamá-lo de você o tempo inteiro de lhe transmitir esta mensagem de aniversário, que encerro, repetindo as palavras valorosas de José Alcides Pinto acerca de sua poesia: Sua linguagem é universal, desconhece as fronteiras e, sendo o que é, um poeta legítimo, tem seu lugar assegurado no tempo de hoje e da posteridade. Como César Vallejo, Neruda, Guillén, Drummond ou Fernando Pessoa, sua poesia já não lhe pertence, é patrimônio da humanidade (Orelha de “Raízes da Voz”, Carvalho).





     Mailma de Sousa

     Mestre em Letras - UFC, autora de 2 livros sobre o poeta Francisco Carvalho.

     
© COPYRIGHT 1998 Diário do Nordeste.


* Fotos copiados dos blogs de Fabiana Guimarães (3 primeiras), dos Poetas de Quinta e do google imagens.

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