segunda-feira, 3 de junho de 2013

MEU AMIGO SÂNZIO DE AZEVEDO (por Pedro Salgueiro)


Conheci Sânzio de Azevedo através de seu livro Literatura Cearense, bem antes de começar a escrever qualquer coisa, ainda na fase de primeiras leituras de reconhecimento de nossas letras alencarinas. Adorava o livrão porque, além de uma breve biografia, trazia um texto de cada autor, e mesmo de escritores mais jovens havia alguma referência; depois li alguns artigos esparsos em outros volumes seus, em meados da década de 1980. Só muito depois fui saber que escrevia poemas e rabiscava contos realistas (sempre baseados em fatos de suas lembranças).

Durante a primeira metade da década de 1990, muito ouvi falar em seu nome nos círculos de escritores iniciantes, nos grupos literários que andei frequentando, sempre com muita admiração e respeito, alguns até com certo exagero, mas isto só fui pessoalmente tomar conhecimento em 1995, durante o lançamento de uma coletânea em quadrinhos do mestre Moreira Campos, coordenada pelo professor Geraldo Jesuíno, quando avistei de longe sua figura simpática e atenciosa, sentado ao lado de sua companheira Fernanda Coutinho; não imaginei que em menos de uma década depois estaria sendo testemunha de casamento do casal.


Aproximei-me e pedi sua assinatura na introdução, escrita por ele, para o álbum em quadrinhos de Moreira, ele riu e nasceu daí, dessa apresentação sem jeito, uma amizade que já dura mais de uma década, com ligações telefônicas quase diárias; com um pequeno intervalo durante sua viagem para acompanhar Fernanda a Paris, enquanto esta concluía seu doutorado, e mesmo assim com várias trocas de correspondência e envio de livros. E ainda hoje quando há alguma lacuna em nossas conversas atribuímos sempre a este intervalo de meio ano de ausência deles, algum fato político, literário ou mesmo pessoal.
Nesse tempo todo aprendi muito com sua amizade, tanto (e principalmente) no aspecto humano, ético, quanto em literatura; sempre achei que em nossas conversas se disfarçam perfeitas aulas de um professor desses que não existem mais em nossos colégios e faculdades, com um humanismo e uma bagagem de conhecimentos quase impossíveis de se ver hoje em dia, e tudo isso acompanhado de uma humildade quase franciscana; costumo dizer que sua humildade aparece até em seus pequenos acessos de vaidade.


Claro que vez por outra temos alguma discordância, principalmente no que tange à política, e vezes houve em que até desligamos o telefone na cara um do outro em meio a uma discussão mais acalorada, mas nada que um dia ou dois não nos fizessem esquecer; e quando nos falamos após o “embate” sempre prometemos não mais discutir sobre o assunto, mas quase nunca cumprimos.
Falamos sobre tudo, de futebol (que entende muito e tem boas lembranças misturadas com algumas idiossincrasias, como a de não gostar de meu Fortaleza Esporte Clube pelo simples fato de que alguns torcedores leoninos se reunirem em um bar próximo de sua casa e fazerem um barulho danado) a religião, passando pela política, fatos cotidianos, amizades pessoais e principalmente “cortar a casaca da humanidade” (que é o esporte predileto do cearense).


Algumas expressões suas já se tornaram referências pessoais, a ponto de alguns dos amigos quando se referem a elas dizerem: “Como fala Sânzio de Azevedo”, expressões como “À puridade” (quando vai contar um segredo), “Cortar a casaca da humanidade” (falar de alguém, não obrigatoriamente de mal), “Mandraque” (quando fala sobre a homossexualidade, “mandraquice”, de alguém, mesmo sabendo que não contém nenhum preconceito ou homofobia em suas palavras) e muitas outras que me fogem à memória.
Posso considerá-lo meu melhor amigo na área de literatura, a camaradagem que mais durou, a que, com mais respeito e admiração, soube sobreviver nessa problemática convivência entre escritores, onde predomina a vaidade e a competitividade. Ele tem sido de uma honestidade e fidelidade “caninas” (pra usar a imagem de um animal de que ele gosta muito) para com os amigos e colegas de leteratura.
Caro amigo, meu muito obrigado pela sua amizade nessas quase duas décadas. Parabéns atrasados (em já cinco anos) pelas suas sete décadas de existência. Muitos anos ainda de vida, com saúde, humildade e o brilhantismo de sempre.



P.S(1).: Devida à sua solicitude em ajudar a todos em suas pesquisas — pois distribui seus conhecimentos com quem lhe procura (muitas vezes alguns até o omitem depois, por esquecimento, incompetência ou sacanagem, nos resultados finais de seus estudos) — seu telefone foi apelidado pelos amigos de “Disk-Sânzio”.

P.S(2).: Esqueci-me de falar do Sânzio de Azevedo contista, pois poucos sabem que ele escreve bons contos realistas (faz sempre questão de dizer que suas histórias são baseadas em fatos reais), tendo quase pronto um livro. Algumas já apareceram em revistas como Literatura, LB e Caos Portátil: Um Almanaque de Contos.


* Publicada no jornal O Povo.

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