quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A MULHER NO AQUÁRIO (por AIRTON MONTE)


Sentido horário, sentados: Pedro Salgueiro (só a careca), Nilto Maciel, Jorge Tufic e Soares Feitosa (direto do expediente, ainda com a roupa de advogado); em pé: o jovem Diego e seu pai, o poeta Dimas Macedo; Ary Albuquerque, Edilson Braveza, B. C. Neto, José Maria Barros Pinho e Airton Monte. Fortaleza, jardins da Reitoria da UFC, solenidade de lançamento dos livros do vestibular, autores Pedro Salgueiro, Airton Monte e Virgílio Maia, abril de 2005.
              
É claro que eu a mantinha escondida, debaixo de sete chaves, uma mulher no aquário, de talhe esbelto, espinhaço grego, uma contida fúria nordestina, estanho nos cabelos, busto farto, abdome terso, ventre cavado, coxas longas e firmes e uns olhos de poço artesiano.
         
Traz ela algo de marfim no que se move, nada, fala, dança. Eu a olho, meio espanto e meio susto, e na minha boca vem um gosto de maracujá.
        
A princípio, pensei tratar-se de um presente insólito de minha imaginação, realmente vívida das mulheres que perdi ou me perderam. O que estraga o ser humano é a memória, fonte de todos os remorsos. Sem memória, talvez doesse menos viver.


Por certo nao criaríamos âncoras nem raízes, seríamos apenas acontecimentos súbitos e inexplicáveis feito a mulher no aquário da sala. A mulher no aquário é real, estranhamente real como um sonhar acordado. Isso não deixa de trazer embutido um certo risco.


Enfim, todos corremos demasiados riscos. Por vezes, eu e a mulher no aquário ficamos a nos olhar horas seguidas, isso só nos dias em que o pôr-do-sol sangra prenúncios de aurora.

A mulher no aquário traça arabescos sinuosos, enquanto chove lá fora. A mulher no aquário sempre me pergunta por que tudo há de ser exato, tal e qual a tal de realidade.

Quando a barra pesa e fico triste, me enfio na banheira, levo a mulher no aquário comigo, deixo-a boiar sobre meu umbigo feito um lírio. Depois, enfio a cabeça dentro d'água até não suportar mais o tempo do mergulho.

Enfim, permancemos bem vivos, eu e a mulher no aquário. Ninguém jamais a viu e nem permitirei que a vejam. A mulher no aquário é só minha, só a mim pertence o seu deslumbramento e seu mistério.

Minhas guelras estão mais crescidas hoje, percebi quando me barbeei, manhã cedinho. Achei normal, normalíssimo, mas por via das dúvidas, bani de minha alma todos os felinos.
                        

Em 09.04.2003 - O Povo (incluída em Moça com Flor na Boca - Crônicas Escolhidas, p.116)

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